1. Amor é fogo que arde sem se ver,
O amor é comparado a um fogo — símbolo clássico da paixão — que queima sem ser visível. A ideia é que o sentimento é intenso, mas silencioso. Queima por dentro, sem alarde, e consome o amante sem que os outros percebam.
2. É ferida que dói e não se sente,
Aqui, o amor é uma ferida que, embora cause dor, não pode ser localizada ou compreendida. É uma dor emocional que desafia o sentido físico. Uma espécie de sofrimento difuso, invisível.
3. É um contentamento descontente,
Esse verso carrega uma das maiores contradições do soneto: o amor traz satisfação, mas é uma satisfação inquieta, incompleta. A alegria do amor vem sempre acompanhada de alguma forma de insatisfação — como se o amor nunca bastasse.
4. É dor que desatina sem doer.
A dor enlouquece (desatina), mas paradoxalmente não é uma dor sentida nos moldes tradicionais. É uma dor que desestabiliza, que mexe com a razão, mas que não pode ser medida ou explicada.
5. É um não querer mais que bem querer;
Amar é desejar tanto alguém que se experimenta o medo ou a recusa de querer. Como se o sentimento ultrapassasse os limites do próprio querer e se tornasse inevitável, apesar da vontade.
6. É solitário andar por entre a gente;
O amante, mesmo rodeado de pessoas, sente-se só. A presença do amado (ou sua ausência) transforma a relação com o mundo. É a solidão acompanhada, causada por um amor não correspondido ou por um sentimento que isola.
7. É um não contentar-se de contente;
Mais um paradoxo: mesmo estando feliz, o amante não se satisfaz. O amor gera uma busca constante, uma sede que não se sacia. A alegria nunca é plena — sempre falta algo.
8. É cuidar que se ganha em se perder.
Nesse verso, “cuidar” tem o sentido de “achar” ou “julgar”. O amante acredita que ganha ao se entregar, mesmo perdendo a si mesmo no processo. É a entrega que se confunde com perda — e, ainda assim, se vê como ganho.
9. É um estar-se preso por vontade,
Amar é estar amarrado por escolha própria. A liberdade é oferecida, mas o amante prefere o cativeiro. É o desejo de pertencer, de se entregar, mesmo que isso custe a liberdade individual.
10. É servir a quem vence o vencedor,
Essa é uma imagem poderosa: o amor torna o amante servo da pessoa amada, que, simbolicamente, é mais poderosa que qualquer vencedor de batalhas. O amor subjuga até o mais forte.
11. É um ter com quem nos mata lealdade.
Aqui, Camões mostra a fidelidade extrema do amante: mesmo sabendo que o amor pode machucá-lo ou até destruí-lo, ele permanece fiel. É a lealdade irracional que persiste apesar da dor.
12. Mas como causar pode o seu favor
Inicia-se a pergunta retórica: como pode o amor, sendo tão contraditório, ainda ser desejado? O “favor” aqui é o benefício ou o agrado do amor.
13. Nos mortais corações conformidade,
Como é que os seres humanos, sabendo de tudo isso, ainda aceitam o amor? Por que continuam a se conformar com ele, mesmo diante de tanta dor e contradição?
14. Sendo a si tão contrário o mesmo Amor?
O fecho é a essência do soneto: o amor é contraditório por natureza. Ele é o seu próprio oposto. E ainda assim, é buscado. O amor, por fim, é um mistério aceito pelo coração humano, mesmo sem lógica ou razão.